Há tempos deixei de abastecer este Blog, mesmo assim ele continua ativo, servindo de inspiração para muitos professores. Se você chegou até aqui, saiba que os conteúdos aqui postados são aulas que preparei para mim. Eu não quis guardar minhas experiências, pois sei que a maioria dos professores não têm muito tempo. Aproveite. Blog criado em 18/09/2006

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30 de outubro de 2007

Felicidade Clandestina


Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

in "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998

Clarice Lispector




Sugestões filmes de curta metragem. Assista aos filmes, leia os comentarios e veja as sujestões para trabalhar com os alunos. Clik no link, digite o nome do filme e assista Felicidade Clandestina de Clarice Lispector

http://www.portacurtas.com.br/busca.asp




EXPLORAR:


ENREDO: de seqüência linear com grande carga psicológica.

ÉPOCA E DURAÇÃO: não são precisas

PROTAGONISTA: a narradora que sofre sozinha. Daí o nome felicidade clandestina

ANTAGONISTA: a dona do livro

PERSONAGEM SECUNDÁRIA: a mãe

TEMPO ÉPOCA: o ontem - 25 anos atrás, As Reinações de Narizinho - cortiço e pobreza em oposição a riqueza e bens.

TEMPO DURAÇÃO: algumas semanas

ESPAÇO: Recife, o portão da casa da menina rica

NARRADOR: em 1ª pessoa – a protagonista – mostra seu sofrimento interior por não conseguir seu objeto de desejo, o livro. Esse sofrimento se expressa fisicamente, pelas olheiras. Depois mostra seu prazer em tê-lo pelo tempo que quisesse.

CLASSES SOCIAIS: duas, a rica e a pobre

PRECONCEITO: contra pessoas gordas – contra pessoas pobres

ATÉ O 3° PARÁGRAFO: apresenta a descrição das personagens

RELACIOMENTO: a mãe da menina rica não conhecia a filha que tinha

EXPRESSÕES DE TEMPO: até que, no outro dia, no dia seguinte

DESENHO DO TEXTO: em história em quadrinhos. LEITURA - Reinações de Narizinho - (monteiro Lobato)

20 de outubro de 2007

Maria Vai-com-as-outras


Era uma vez uma ovelha chamada Maria. Onde as outras ovelhas iam, Maria ia também. As ovelhas iam para baixo Maria ia também. As ovelhas iam para cima, Maria ia também.

Um dia, todas as ovelhas foram para o Pólo Sul. Maria foi também. E atchim! Maria ia sempre com as outras.

Depois todas as ovelhas foram para o deserto. Maria foi também.

- Ai que lugar quente! As ovelhas tiveram insolação. Maria teve insolação também. Uf! Uf! Puf!

Maria ia sempre com as outras.

Um dia, todas as ovelhas resolveram comer salada de jiló.

Maria detestava jiló. Mas, como todas as ovelhas comiam jiló, Maria comia também. Que horror!

Foi quando de repente, Maria pensou:

“Se eu não gosto de jiló, por que é que eu tenho que comer salada de jiló?”

Maria pensou, suspirou, mas continuou fazendo o que as outras faziam.

Até que as ovelhas resolveram pular do alto do Corcovado pra dentro da lagoa. Todas as ovelhas pularam.

Pulava uma ovelha, não caía na lagoa, caía na pedra, quebrava o pé e chorava: mé! Pulava outra ovelha, não caía na lagoa, caía na pedra e chorava: mé!


E assim quarenta duas ovelhas pularam, quebraram o pé, chorando mé, mé, mé! Chegou a vez de Maria pular. Ela deu uma requebrada, entrou num restaurante comeu, uma feijoada.

Agora, mé, Maria vai para onde caminha seu pé.

Sylvia Orlof



Sylvia Orthof nasceu em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, em 1932, e faleceu em 1997. Ao longo de sua vida, publicou cerca de 120 livros para crianças, desde a estréia, em 1981, com Mudanças no Galinheiro Mudam as Coisas por Inteiro. Recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura Infantil pelo livro A Vaca Mimosa e a Mosca Zenilda, em 1983, e o Prêmio Ofélia Fontes, pela coleção Assim é se lhe parece, junto com Angela Carneiro e Lia Neiva, em 1995, entre outros.



ATIVIDADES GRAMATICAIS:

Encontre no texto:

(No primeiro parágrafo) dois verbos no passado.

Dois artigos indefinidos

Três substantivos próprios.

(No primeiro e segundo parágrafos) dois advérbios indicando lugar.

Um advérbio de tempo.

Um verbo na terceira pessoa do plural que indique tempo passado.

Uma oração interrogativa. Escreva-a.

Uma expressão de admiração contida no texto.

Um numeral cardinal.

Um substantivo feminino no plural.

Cinco substantivos comuns.

Uma qualidade para lugar.


QUESTÕES SOBRE O TEXTO:

O texto apresentado é narrativo ou descritivo? Explique.

Quem escreveu o texto?

Quem conta a história?

Descreva as características da personagem principal e diga o que acha dela.

Qual sua opinião a respeito das outras ovelhas?

Maria ficou doente duas vezes: Quando?

Quando Maria tomou consciência de que imitava as outras ovelhas?

Em que momento houve uma mudança na atitude de Maria?

Como você explica a última frase do texto?

Escolha a frase mais marcante da história e copie-a.

Qual a frase do texto que é narrada em primeira pessoa? Copie-a.

Invente um outro nome também adequado para esta história.

O que você pensa das pessoas que são “Maria vai-com-as-outras”?

Você já foi Maria vai-com-as-outras” algum dia? Quando? Por quê?

Qual a comida que você não gosta? Por quê?

Reescreva a história mudando título, locais, nomes, animais, alimentos...

Resuma o texto

Um desenho para colorir:


Faça uma pesquisa sobre o Pólo Sul.

9 de outubro de 2006

Interpretação ilustrada



AURORA BOREAL

Tenho quarenta janelas

nas paredes do meu quarto.

Sem vidros nem bambinelas

posso ver atrás delas

o mundo em que me reparto.

Por uma entra a luz do sol,

por outra a luz do luar,

por outra a luz das estrelas

que andam no céu a rolar.

Por esta entra a Via Láctea

como um vapor de algodão,

por aquela a luz dos homens,

pela outra a escuridão.

Pela maior entra o espanto,

pela menor a certeza,

pela da frente a beleza

que inunda de canto a canto.

Pela quadrada entra a esperança

de quatro lados iguais,

quatro arestas, quatro vértices,

quatro pontos cardeais.

Pela redonda entra o sonho,

que as vigias são redondas,

e o sonho afaga e embala

à semelhança das ondas.

Por além entra a tristeza,

por aquela entra entra a saudade,

e o desejo, e a humildade,

e o silêncio, e a surpresa,

e o amor dos homens, e o tédio,

e o medo, e a melancolia,

e essa fome sem remédio

a que se chama poesia,

e a inocência, e a bondade,

e a dor própria, e a dor alheia,

e a paixão que se incendeia,

e a viuvez, e a piedade,

e o grande pássaro branco,

e o grande pássaro negro

que se olham obliquamente,

arrepiados de medo,

todos os risos e todos os choros,

todas as fomes e todas as sedes,

tudo alonga a sua sombra

nas minhas quatro paredes

Oh janelas do meu quarto,

quem vos pudesse rasgar!

Com tanta janela aberta

falta-me luz e ar.

(Antonio Gedeão)


Sugestão de atividade:

1- Leitura

2- Dividir a sala em equipes. Em sulfite ou papel craft, cada equipe desenha uma janela descrita no texto, previamente sorteada. Colorir e expor os desenhos na ordem do poema. Um texto do poema também deve ser exposto. O professor pode distribuir o desenho para o aluno desenhar na janela o que o poeta enxerga.

OBS: Este poema deve ser trabalhado com turmas de 8ª série ou do 2º Grau. Melhor se os desenhos forem colados em papel craft, para o professor fazer a exposiçaõ quando todas as turmas terminarem, assim uma turma não se espelhará na criatividade de outra. Não é uma atividade muito fácil, mas o resultado é compensador.