Há tempos deixei de abastecer este Blog, mesmo assim ele continua ativo, servindo de inspiração para muitos professores. Se você chegou até aqui, saiba que os conteúdos aqui postados são aulas que preparei para mim. Eu não quis guardar minhas experiências, pois sei que a maioria dos professores não têm muito tempo. Aproveite. Blog criado em 18/09/2006

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24 de abril de 2008

Leitura crítica


Quando tinha quinze anos, disse para minha mãe:

– Descobri minha vocação. Quero ser escritor.

– Meu filho – respondeu ela, com um ar triste – seu pai é um engenheiro. É um homem lógico, razoável, com uma visão precisa do mundo. Você sabe o que é ser um escritor?

– Alguém que escreve livros.

– Seu tio Haroldo, que é médico, também escreve livros, e já publicou alguns. Faça a faculdade de engenharia, e terá tempo para escrever em seus momentos livres.

– Não, mamães. Eu quero ser apenas escritor. Não um engenheiro que escreve livros.

­– Mas você já conheceu algum escritor? Alguma vez, você já viu um escritor?

– Nunca. Só em fotografias.

– Então como é que você quer ser um escritor, sem saber direito o que é isso?

Para responder à minha mãe, resolvi fazer uma pesquisa. Eis o que descobri sobre o que era ser um escritor, no início da década de sessenta:

A) Um escritor sempre usa óculos, e não se penteia direito. Passa metade do seu tempo com raiva de tudo, e a outra metade deprimido. Vive em bares, discutindo com outros escritores de óculos e despenteados. Fala difícil. Tem sempre idéias fantásticas para o seu próximo romance, e detesta aquele que acabou de publicar.

B) Um Escritor tem o dever e a obrigação de jamais ser compreendido por sua geração – ou nunca chegará a ser considerado um gênio, pois está convencido de que nasceu numa época em que a mediocridade impera. Um escritor sempre faz várias revisões e alterações em cada frase que escreve. O vocabulário de um homem comum é composto de 3000 palavras; um verdadeiro escritor jamais as utiliza, já que existem outras 189000 no dicionário, e ele não é um homem comum.

C- Apenas outros escritores compreendem o que um escritor quer dizer. Mesmo assim ele detesta secretamente os outros escritores – já que estão disputando as mesmas vagas que a história da literatura deixa ao longo dos séculos. Então, o escritor e seus pares disputam o troféu do livro mais complicado: será melhor aquele que conseguir ser o mais difícil.

D- Um escritor entende de temas cujos nomes são assustadores: semiótica, epistemologia, neoconcretismo. Quando deseja chocar alguém, diz coisas como “Einstein é burro” ou “Tolstoi é o palhaço da burguesia”. Todos ficam escandalizados, mas passam a repetir para os outros que a teoria da relatividade está errada, e que Tolstoi defendia os aristocratas russos.

E- Um escritor, para seduzir uma mulher, diz: “sou escritor”, e escreve um poema num guardanapo: funciona sempre.

F- Por causa de sua vasta cultura, um escritor sempre consegue emprego como crítico literário. É neste momento que ele mostra sua generosidade, escrevendo sobre os livros de seus amigos. Metade da crítica é composta de citações de autores estrangeiros; a outra metade são as tais análises de frases, sempre empregando termos como “o corte epistemológico” ou “a visão integrada num eixo correspondente”. Quem lê a crítica comenta: “que sujeito culto”. E não compra o livro, porque não vai saber como continuar a leitura quando o corte epistemológico aparecer.

G- Um escritor, quando convidado a depor sobre o que está lendo naquele momento, sempre cita um livro que ninguém ouviu falar.

H- Só existe um livro que desperta a admiração unânime do escritor e seus pares: Ulisses, de James Joyce. O escritor nunca fala mal deste livro, mas quando alguém lhe pergunta de que se trata, ele não consegue explicar direito, deixando dúvidas se realmente o leu. É um absurdo que Ulisses jamais seja reeditado, já que todos os escritores o citam como uma obra-prima; talvez seja a estupidez dos editores, deixando passar a oportunidade de ganhar muito dinheiro com um livro que todo mundo leu e gostou.

Munido de todas estas informações, voltei à minha mãe e expliquei exatamente o que era ser um escritor. Ela ficou um pouco surpresa.

– É mais fácil ser engenheiro – disse ela. – Além do mais, você não usa óculos.

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Prefácio do livro “Ser como um rio que flui" Paulo Coelho


SUGESTÃO: Comentar sobre:

- A escolha da profissão.

- A influencia das pessoas na escolha da profissão.

- A importância de se pesquisar sobre diversas profissões.


Sobre Paulo Coelho
http://www.paulocoelho.com/

2 comentários:

  1. Adorei o texto, gostei das sugestões de trabalho e vou aplicá-las numa das aulas.
    Obrigada pela partilha.
    Fernanda

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  2. Gostei da crítica e do blog também.

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A humanidade é um oceano. Se algumas gotas estão sujas, isso não significa que ele todo ficará sujo. (Mahatma Gandhi)