Ao ocupar o lugar dos valores morais e éticos, a busca da perfeição corporal é confundida com felicidade e realização, gerando grandes frustrações. Quem lucra com essa inversão das prioridades humanas é a milionária indústria da beleza
Toda mulher pode ser bonita. Bastam 15 minutos diários e 5 dólares ao ano em creme facial." Helena Rubinstein fez esta afirmação em 1902, ao lançar na Austrália seu Crème Valaze, produto que inaugurou o primeiro e um dos maiores impérios do setor de beleza, consolidado a partir de 1915, quando a empresária mudou-se para Nova York, onde viveu milionária numa cobertura decorada com obras de Dalí, Matisse e Picasso.
Já vai um século desde que Rubinstein fez essa propaganda enganosa. Desde então, a milionária indústria alimentada pelo sonho da beleza só fez crescer. É um negócio que movimenta bilhões de dólares por ano em todo o planeta.
A obsessão pela aparência é hoje uma das principais causas de estresse e ansiedade, tornando infelizes e deprimidas pessoas saudáveis que não atingem o padrão de beleza que a sociedade exige.
A historiadora Mary Del Priore resume o desatino dessa cultura narcisista. "Com a tirania da perfeição física, todos querem participar da sinfonia do corpo magnífico, quase atualizando a intolerante estética nazista. Numa sociedade de consumo, a estética surge como motor do bom desenvolvimento da existência, e a feiúra é vivida como um drama."
A bulimia e a anorexia são doenças próprias de um mundo devotado à superficialidade. O bulímico ingere grande quantidade de comida para depois provocar o vômito que o livrará da nutrição indesejável. O anoréxico é dominado por um medo intenso de engordar mesmo estando extremamente magro, e por isso se submete à fome contínua.
Uma pesquisa sobre a revista Nova, realizada pela antropóloga Lara Deppe, ajuda a entender o crescimento vertiginoso da indústria da beleza. Mostra como se construiu socialmente a legitimação das preocupações com o corpo e a beleza. O que antes era futilidade, virou causa de vida e morte. "Na década de 70, médicos e cientistas mostravam nas páginas da revista a importância da beleza física para manter a saúde mental. O cuidado com a aparência foi cientificamente justificado, migrando do terreno da vaidade para o da necessidade física e mental".
Antes atributo da natureza, agora a beleza deve ser conquistada, e é necessário gastar muito para isso. Exemplo dessa mudança de mentalidade é a gaúcha Juliana Borges, que passou por dezenove cirurgias plásticas antes de tornar-se miss Brasil 2001.
A indústria da beleza vive e prospera num vácuo emocional e espiritual É o culto ao invólucro tornando-se o próprio sentido da vida. Vencido o ideal de busca de equilíbrio entre corpo e mente, restou apenas o corpo, instaurando-se a corpolatria.
Segundo a cientista e psicóloga Nancy Etcoff, a busca da beleza não é uma construção cultural, tampouco uma invenção do mundo da moda, mas parte essencial da natureza humana, fato pelo qual todas as civilizações reverenciaram a beleza, perseguindo-a com mais ou menos ênfase.
Isso é fato. A diferença é que a beleza nunca foi tão fundamental quanto hoje, e nunca uma indústria valeu-se de modo tão ostensivo do desejo profundo das pessoas em se identificar com o que há de mais belo segundo os padrões vigentes. Ser belo é ter maiores chances de vitória na vida. Seja de que modo for e a qualquer preço.
Recentemente, a promotora de Justiça Luiza Nagib Eluf escreveu artigo apontando para o grande poder dos meios de comunicação globalizados de influenciar pessoas e gerar obsessões coletivas, como a de buscar uma beleza inatingível. "Com a neurose estética, a vida perde sentido. Os neuróticos agem como se a felicidade, o amor, a emoção, tudo dependesse exclusivamente do corpo e de sua adequação aos padrões de beleza impostos globalmente. Mas por mais que se cuide da aparência física, o ser humano reflete o que lhe vai no interior, e não há maquiagem que embeleze uma alma atormentada." A indústria da beleza sabe perfeitamente disso, mas jamais tocará no assunto ao fazer suas propagandas enganosas.
Marco Frenette
SUGESTÕES DE ATIVIDADES EM GRUPO:
1- Distribuir uma parte do texto para cada grupo. Discussão. Um aluno do grupo será indicado para explicar o que leu.
2- Escrever cinco dicas de beleza.
3- Escrever um acróstico com a frase: “A beleza e seus infelizes” (Lembrar que o acróstico é semelhante a uma poesia). O todo deve conter uma mensagem. Não se deve usar frases soltas.
4- Parodiar uma música.
5- Cantar a música, de preferência com algum instrumento musical.